EUR-Lex -  62012CC0347 - PT
Karar Dilini Çevir:
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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
MELCHIOR WATHELET
apresentadas em 18 de julho de 2013 ( 1 )
Processo C‑347/12
Caisse nationale des prestations familiales
contra
Ulrike Wiering
Markus Wiering,
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Luxemburgo)]
«Segurança social — Regulamentos (CEE) n.os 1408/71 e 574/72 — Prestações familiares — Regras ‘anticúmulo’ — Artigos 12.°, 73.° e 76.° do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 574/72 — ‘Elterngeld’ — ‘Kindergeld’ — Subsídio de educação — Cálculo do complemento diferencial — Prestações da mesma natureza»
I — Introdução

1.
O presente pedido de decisão prejudicial, registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de julho de 2012, tem por objeto a interpretação dos regulamentos da União Europeia relativos à coordenação dos regimes de segurança social, a saber, o Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 ( 2 ), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 ( 3 ) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), mais precisamente os seus artigos 12.°, 73.° e 76.°, e o Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ( 4 ), mais precisamente o seu artigo 10.o, n.o 1.

2.
O pedido de decisão prejudicial inscreve‑se no quadro de um litígio que opõe a Caisse nationale des prestations familiales (Caixa nacional das prestações familiares, a seguir «CNPF») a Markus e a Ulrike Wiering, relativamente ao alcance do seu direito às prestações familiares no Grão‑Ducado do Luxemburgo, na sequência do nascimento do seu segundo filho.

3.
No essencial, os cônjuges Wiering, que beneficiam de prestações familiares na Alemanha (a seguir «Kindergeld» e «Elterngeld»), onde residem, pediram no Grão‑Ducado do Luxemburgo, onde M. Wiering trabalha, um complemento diferencial correspondente à diferença entre as prestações familiares alemãs e as luxemburguesas.

4.
O litígio entre a CNPF e os cônjuges Wiering tem por objeto as prestações familiares alemãs a ter em conta para efeitos do cálculo do eventual complemento diferencial, sendo que a CNPF pretende incluir o Kindergeld e o Elterngeld alemães, enquanto os cônjuges Wiering consideram que o Elterngeld é uma prestação de natureza diferente, devendo, portanto, ficar excluída desse cálculo.
II — Quadro jurídico
A — Regulamentação da União
1. Regulamento n.o 1408/71

5.
O artigo 1.o, alínea u), do Regulamento n.o 1408/71 dispõe:
«i)
a expressão ‘prestações familiares’ designa quaisquer prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares no âmbito de uma legislação prevista no n.o 1, alínea h), do artigo 4.o, excluindo os subsídios especiais de nascimento ou de adoção […];
ii)
a expressão ‘abonos de família’ designa as prestações periódicas pecuniárias, concedidas exclusivamente em função do número e, eventualmente, da idade dos membros da família.»

6.
O artigo 4.o do Regulamento n.o 1408/71, intitulado «Âmbito de aplicação material», prevê:
«1.   O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitam a:
[…]
h)
Prestações familiares.
[…]»

7.
O artigo 12.o do referido regulamento, intitulado «Proibição de cumulação de prestações», tem a seguinte redação:
«1.   O presente regulamento não pode conferir ou manter o direito de beneficiar de várias prestações da mesma natureza relativas a um mesmo período de seguro obrigatório. […]
[…]»

8.
Nos termos do artigo 73.o do Regulamento n.o 1408/71, que diz respeito aos trabalhadores assalariados ou não assalariados cujos membros da família residam num Estado‑Membro que não seja o Estado competente:
«O trabalhador assalariado ou não assalariado sujeito à legislação de um Estado‑Membro tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado‑Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste […].»

9.
O artigo 76.o, n.o 1, do mesmo regulamento, intitulado «Regras de prioridade em caso de cumulação de direitos a prestações familiares por força da legislação do Estado competente e por força da legislação do Estado‑Membro de residência dos membros da família», prevê:
«1.   Sempre que, durante o mesmo período, para o mesmo membro da família e por motivo do exercício de uma atividade profissional, estejam previstas prestações familiares na legislação do Estado‑Membro em cujo território os membros da família residem, o direito às prestações familiares devidas por força da legislação de outro Estado‑Membro, eventualmente em aplicação dos artigos 73.° e 74.°, é suspenso até ao limite do montante previsto pela legislação do primeiro Estado‑Membro.»
2. Regulamento n.o 574/72

10.
Os artigos 7.° a 10.°A do Regulamento n.o 574/72 enunciam as modalidades de aplicação do artigo 12.o do Regulamento n.o 1408/71.

11.
O artigo 10.o do Regulamento n.o 574/72 prevê:
a)
O direito às prestações familiares ou abonos de família devidos nos termos da legislação de um Estado‑Membro, segundo a qual a aquisição do direito a tais prestações ou abonos não depende de condições de seguro, emprego ou atividade não assalariada, fica suspenso quando, no decurso do mesmo período e em relação ao mesmo membro da família, forem devidas prestações, quer por força unicamente da legislação nacional de outro Estado‑Membro quer em aplicação dos artigos 73.°, 74.°, 77.° ou 78.° do Regulamento, até ao limite do montante dessas prestações.
b)
Todavia, se for exercida uma atividade profissional no território do primeiro Estado‑Membro:
i)
No caso das prestações devidas, quer por força unicamente da legislação nacional de outro Estado‑Membro quer nos termos dos artigos 73.° ou 74.° do Regulamento, pela pessoa que tem direito às prestações familiares ou pela pessoa a quem são concedidas, o direito às prestações familiares devidas, quer por força unicamente da legislação nacional desse outro Estado‑Membro quer nos termos destes artigos, fica suspenso até ao limite do montante das prestações familiares previsto pela legislação do Estado‑Membro no território do qual reside o membro da família. As prestações pagas pelo Estado‑Membro no território do qual reside o membro da família ficam a cargo desse Estado,
[…]»
B — Quadro jurídico nacional luxemburguês

12.
Em 15 de março de 2013, o Tribunal de Justiça dirigiu um pedido de esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio ao abrigo do artigo 101.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. O órgão jurisdicional de reenvio foi convidado a descrever com mais precisão as prestações familiares luxemburguesas e as condições de concessão das mesmas. Por ofício de 29 de abril de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que as prestações familiares luxemburguesas em causa no processo principal eram os abonos de família e o subsídio de educação, e acrescentou que o subsídio de licença parental não estava em causa no litígio nele pendente, uma vez que os fundamentos invocados por M. e U. Wiering a esse respeito tinham sido declarados inadmissíveis.
1. Abonos de família

13.
Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os abonos de família provêm de um mecanismo de redistribuição de uma parte do rendimento nacional em benefício dos filhos, em nome de um princípio de solidariedade social. Acrescenta que os abonos de família não devem ser considerados como um suplemento de salário para quem tem filhos a cargo, mas têm uma finalidade própria, sobretudo depois da uniformização do montante dos abonos para todas as crianças, independentemente do estatuto profissional dos respetivos progenitores. Para garantir que este objetivo é atingido, o legislador consagrou o direito pessoal dos filhos aos abonos de família.

14.
O artigo 269.o, primeiro parágrafo, do Código da Segurança Social, intitulado «Condições de atribuição», dispõe:
«Tem direito aos abonos de família nas condições estabelecidas no presente capítulo,
a)
para si próprio, todo o filho que resida efetivamente e de uma forma contínua no Luxemburgo e nele tenha o seu domicílio legal;
[…]»

15.
Ao abrigo do artigo 271.o, primeiro parágrafo, do Código da Segurança Social, o abono é devido a partir do mês do nascimento e até aos dezoito anos de idade completos. Segundo o artigo 271.o, terceiro parágrafo, do Código da Segurança Social, o direito aos abonos de família mantém‑se até aos vinte e oito anos de idade completos, no máximo, para os alunos do ensino secundário e do ensino secundário técnico que se dediquem aos seus estudos a título principal.
2. Subsídio de educação

16.
Ao abrigo do artigo 299.o, n.o 1, do Código da Segurança Social:
«É concedido um subsídio de educação, mediante pedido, a qualquer pessoa que:
a)
tenha o seu domicílio legal no Grão‑Ducado do Luxemburgo e que aí resida efetivamente, ou que esteja obrigatoriamente inscrito na segurança social a título de uma atividade profissional e seja abrangido pelo âmbito de aplicação dos regulamentos comunitários;
b)
tenha a cargo na sua casa de morada de família um ou mais filhos relativamente aos quais sejam pagos ao requerente ou ao seu cônjuge não separado ou ao seu companheiro […] abonos de família e que preencham as condições previstas no artigo 270.o [do mesmo código, relativo à determinação do agregado familiar];
c)
se dedique principalmente à educação dos filhos no lar familiar e não exerça uma atividade profissional ou não beneficie de um rendimento de substituição.»

17.
Na audiência realizada em 6 de junho de 2013, a CNPF precisou que as condições eram cumulativas.

18.
Segundo o artigo 299.o, n.o 2, do Código da Segurança Social, «[p]or derrogação da condição estabelecida no n.o 1, alínea c), o subsídio pode igualmente ser concedido a qualquer pessoa que exerça uma ou várias atividades profissionais ou beneficie de um rendimento de substituição e que, independentemente da duração do trabalho prestado, disponha em conjunto com o seu cônjuge não separado ou com a pessoa com quem viva em comunhão doméstica, de um rendimento [que não ultrapasse um montante determinado].»

19.
Ao abrigo do artigo 299.o, n.o 3, do Código da Segurança Social:
«Por derrogação [da] condição […] estabelecida [...] no n.o 1, alínea c), e no n.o 2, pode ser concedido metade do subsídio de educação, independentemente do rendimento de que disponha, a qualquer pessoa que:
a)
exerça uma ou várias atividades profissionais a tempo parcial e se dedique principalmente à educação dos filhos no lar familiar com uma duração no mínimo equivalente a metade da duração normal de trabalho […].
[…]»

20.
Ao abrigo do artigo 304.o do Código da Segurança Social:
«O subsídio de educação é suspenso até ao limite de qualquer prestação não luxemburguesa da mesma natureza devida para o ou os mesmos filhos.
[…], não é devido no caso de um dos progenitores beneficiar, em relação ao ou aos mesmos filhos, do subsídio de licença parental previsto no capítulo VI do presente livro ou de uma prestação não luxemburguesa paga a título de um subsídio de licença parental. […]»
C — Quadro jurídico nacional alemão

21.
Em 19 de março de 2013, o Tribunal de Justiça convidou o Governo alemão, ao abrigo do artigo 101.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a precisar os objetivos e condições de concessão do Kindergeld e do Elterngeld na Alemanha. Por ofício apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de abril de 2013, o Governo alemão forneceu as informações seguintes relativas a essas prestações.
1. Kindergeld

22.
O Kindergeld, como prevê o artigo 31.o da Lei alemã relativa ao imposto sobre o rendimento (Einkommensteuergesetz, a seguir «EStG»), visa compensar os encargos familiares e, assim, garantir um nível mínimo de subsistência ao filho.

23.
Segundo o § 62, n.o 1, da EStG, o beneficiário (em regra, um progenitor) deve ter o seu domicílio ou a sua residência habitual na Alemanha ou ser tributado sem restrições ou tratado como tal na Alemanha. O filho deve ter o seu domicílio ou a sua residência habitual num Estado‑Membro da União Europeia, na Suíça, na Islândia, no Liechtenstein ou na Noruega.

24.
Ao abrigo do § 32, n.o 4, da EStG, um filho é tido em consideração para efeitos do Kindergeld, sem outras condições, até atingir os dezoito ou os vinte e um anos idade, se não estiver empregado e estiver inscrito como candidato a emprego numa agência nacional de emprego (Agentur für Arbeit im Imland), ou até atingir os vinte e cinco anos, se prosseguir uma formação ou efetuar um serviço voluntário reconhecido ou, por último, sem limite de idade se, em razão de uma deficiência física ou mental, não estiver em condições de tomar conta de si mesmo.

25.
Atualmente, em aplicação do § 66, n.o 1, primeiro período, da EStG, o montante do Kindergeld é de 184 euros por mês por cada um dos dois primeiros filhos, 190 euros pelo terceiro filho e 215 euros por cada filho subsequente, independentemente dos rendimentos e do património de todos os membros da família. A atividade profissional dos progenitores só entra em conta no caso de progenitores estrangeiros que não beneficiem da liberdade de circulação.
2. Elterngeld

26.
Ao abrigo do § 1, n.o 1, da Lei federal relativa ao Elterngeld e à paternidade (Bundeselterngeld‑ und Elternzeitgesetz, a seguir «BEEG»), tem direito a receber o Eterngeld qualquer pessoa que tenha o seu domicílio ou a sua residência habitual na Alemanha, que habite com um filho sob o mesmo teto, que se ocupe desse filho e o eduque e que não exerça uma atividade profissional ou uma atividade profissional a tempo inteiro ( 5 ). O Elterngeld pode ser pago a partir do nascimento do filho e até este completar 14 meses ( 6 ).

27.
O Elterngeld corresponde a 67% do rendimento proveniente da atividade profissional exercida antes do nascimento da criança. É pago num montante até ao limite de 1800 euros por cada mês completo em que o beneficiário não tenha recebido rendimentos relativos a uma atividade profissional.

28.
No caso de os rendimentos da atividade anterior ao nascimento terem sido inferiores a 1000 euros, a percentagem de 67% é acrescida, ao abrigo do § 2, n.o 2, primeiro período, da BEEG, de 0,1% por cada parcela de 2 euros inferior a esse rendimento de 1000 euros, e até aos 100%. Nos casos em que o rendimento da atividade profissional anterior ao nascimento exceda 1200 euros, a percentagem de 67% é reduzida, ao abrigo do § 2, n.o 2, segundo período, da BEEG, de 0,1% por cada parcela de 2 euros superior a esse rendimento de 1200 euros, e até aos 65%. O Elterngeld ascende, nos termos do § 2, n.o 4, primeiro período, da BEEG, a pelo menos 300 euros por mês e isto, nos termos do § 2, n.o 4, segundo período, da mesma lei, mesmo que o beneficiário não tenha recebido nenhum rendimento profissional antes do nascimento do filho. Durante o período de pagamento da quantia mínima de 300 euros, o beneficiário não pode exercer uma atividade profissional a tempo inteiro ( 7 ).
III — Litígio no processo principal e questão prejudicial

29.
Sujeito a confirmação pelo órgão jurisdicional de reenvio, os elementos de facto do processo, como resultam dos autos no Tribunal de Justiça, são os seguintes:

30.
Os cônjuges M. e U. Wiering residem na Alemanha, onde U. Wiering trabalha, enquanto o seu marido trabalha no Luxemburgo.

31.
Na sequência do nascimento do segundo filho, em 12 de maio de 2007, U. Wiering beneficiou de uma licença de maternidade, entre 13 de maio de 2007 e 16 de julho de 2007, e depois de uma licença parental, entre 17 de julho de 2007 e 11 de maio de 2008. Durante o período da licença parental, U. Wiering beneficiou, na Alemanha, do Elterngeld. M. e U. Wiering beneficiaram do Kindergeld por cada um dos seus filhos desde o nascimento destes.

32.
Em 12 de outubro de 2007, M. Wiering pediu à CNPF o pagamento, para o período compreendido entre 1 de julho de 2007 e 31 de maio de 2008, de um complemento diferencial relativo às prestações devidas em relação aos seus dois filhos, correspondente à diferença entre as prestações familiares pagas na Alemanha e as previstas pelo direito luxemburguês.

33.
Por decisão de 17 de abril de 2008, o comité diretor da CNPF indeferiu o pagamento de um complemento diferencial M. e U. Wiering com fundamento em que as prestações recebidas na Alemanha, a saber o Kindergeld e o Elterngeld, ultrapassavam, no período em causa, as previstas pela lei luxemburguesa, a saber os abonos de família e o subsídio de educação.

34.
Faço notar que, na audiência, a representante da CNPF declarou que os cônjuges Wiering não tinham pedido o subsídio de educação que, portanto, tinha sido incluído oficiosamente no cálculo do subsídio diferencial pela CNPF. Por outro lado, parece — o que deve ser verificado pelo órgão jurisdicional de reenvio — que, nos termos do artigo 304.o do Código da Segurança Social, os cônjuges Wiering nunca teriam tido direito a esse abono, caso o tivessem pedido.

35.
Em 25 de agosto de 2008, M. e U. Wiering recorreram da decisão de 17 de abril de 2008 para o Conseil arbitral des assurances sociales (Conselho Arbitral da Segurança Social) que julgou o recurso improcedente em 31 de julho de 2009.

36.
Na sequência de recurso interposto por M. e U. Wiering, o Conseil supérieur de la sécurité sociale (Conselho Superior da Segurança Social, a seguir «CSSS»), por acórdão de 16 de março de 2011, alterou a sentença de 31 de julho de 2009 do Conseil arbitral des assurances sociales e decidiu que M. e U. Wiering tinham direito ao pagamento do complemento diferencial pelos seus dois filhos, relativamente ao período compreendido entre 1 de julho de 2007 e 31 de maio de 2008.

37.
O CSSS considerou que «só as prestações familiares devidas pelo mesmo membro da família» (no caso vertente, o filho, mesmo que sejam pagas aos progenitores) podiam ser tomadas em consideração para efeitos do cálculo do complemento diferencial, o que não era o caso do Elterngeld, que é devido apenas ao membro da família que se ocupa da educação dos filhos e não aos próprios filhos. Segundo o CSSS, a CNPF tinha, erradamente, tomado em consideração o Elterngeld, recebido por U. Wiering, para recusar o pagamento do complemento diferencial para os dois filhos.

38.
A CNPF interpôs recurso de cassação deste acórdão em 20 de maio de 2011, invocando quatro fundamentos dos quais os segundo, terceiro e quarto se baseiam na violação, na recusa de aplicação, ou na interpretação errada, respetivamente, do artigo 10.o, n.o 1, alínea a), i), do Regulamento n.o 574/72, do artigo 10.o, n.o 3, do mesmo regulamento e do artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71. A CNPF tece críticas ao acórdão do CSSS por não ter, em violação do direito da União, tomado em consideração o Elterngeld para efeitos do cálculo do complemento diferencial, com fundamento em que o referido abono seria devido e pago à mãe, e que, neste cálculo, deviam ser tomados em consideração apenas os abonos devidos aos filhos, embora estes sejam de facto pagos aos progenitores.

39.
Nestas condições, em 12 de julho de 2012, por ter dúvidas quanto às prestações familiares a ter em conta na determinação do complemento diferencial, a Cour de cassation (Luxemburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Para efeitos do cálculo do complemento diferencial eventualmente devido, em conformidade com os artigos 1.°, alínea u), i), 4.°, n.o 1, alínea h), e 76.°, do Regulamento […] n.o 1408/71 […] e com o artigo 10.o, [n.o 1,] alínea b), i), do Regulamento […] n.o 574/72 […], pelo organismo competente do Estado do local de trabalho, importa ter em conta, enquanto prestações familiares da mesma natureza, a totalidade das prestações recebidas pela família do trabalhador migrante no Estado de residência, no caso vertente o ‘Elterngeld’ e o ‘Kindergeld’ previstos na legislação alemã?»
IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

40.
M. e U. Wiering, a CNPF e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e participaram na audiência.

41.
Na opinião de M. e U. Wiering, para calcular o montante do complemento diferencial, só devem ser tidas em conta as prestações da mesma natureza. Considerando que o Elterngeld não tem a mesma natureza que o Kindergeld, o Elterngeld não devia, na opinião deles, ter sido considerado para efeitos do cálculo do complemento diferencial. Segundo M. e U. Wiering, os seus filhos eram os únicos credores do Kindergeld ao passo que U. Wiering era a única credora do Elterngeld, o qual devia, por isso, ser qualificado como rendimento de substituição pago ao progenitor que renuncia temporariamente, total ou parcialmente, à sua atividade profissional para se dedicar exclusiva ou maioritariamente à educação do seu ou dos seus filhos.

42.
A CNPF considera que o Regulamento n.o 1408/71 não prevê expressamente nenhuma diferenciação entre as prestações familiares consoante o destinatário ou o beneficiário dessas prestações. Segundo a CNPF, não se pode entender, simultaneamente, que o Elterngeld é uma prestação que se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação dos Regulamentos n.o 1408/71 e n.o 574/72 e que se distanciam dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção ( 8 ) e, ao mesmo tempo, recusar integrá‑lo no cálculo do subsídio diferencial porque esta prestação apenas aproveita ao «membro da família que se ocupa da educação dos filhos, no caso vertente, a esposa, e não aos próprios filhos nem por conta dos filhos».

43.
A Comissão salienta que em momento algum a natureza «familiar» das prestações em questão no caso em apreço esteve em dúvida. Segundo a Comissão, que evoca o acórdão Feyerbacher ( 9 ), o Elterngeld constitui um subsídio parental concedido à pessoa que se ocupa pessoalmente da guarda e da educação do seu ou dos seus filhos e teria portanto uma finalidade muito semelhante à do subsídio de educação em causa no processo Hoever e Zachow ( 10 ). Neste processo, o Tribunal de Justiça decidiu que um abono desse tipo constitui, de facto, uma «prestação familiar», que o seu objetivo é o de compensar os encargos familiares, na aceção do artigo 1.o, alínea u), i), do Regulamento n.o 1408/71, e que esse subsídio visa, mais precisamente, retribuir a educação dispensada ao filho, compensar as demais despesas de guarda e de educação e, eventualmente, atenuar as desvantagens financeiras resultantes da renúncia a um rendimento de uma atividade profissional a tempo inteiro. A Comissão considera que resulta da jurisprudência que os abonos concedidos, sob certas condições, aos trabalhadores que interrompam a sua carreira no quadro de uma licença parental devem ser equiparados a uma prestação familiar, na aceção dos artigos 1.°, alínea u), i), e 4.°, n.o 1, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71.

44.
Na audiência, a Comissão renunciou à argumentação que tinha desenvolvido nas suas observações escritas, segundo a qual, uma vez que U. Wiering tinha interrompido a sua carreira durante a sua licença parental, a disposição aplicável era o artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 574/72, com a consequência de que o Estado prioritariamente competente era o Grão‑Ducado do Luxemburgo e não a República Federal da Alemanha, o que eliminava qualquer questão de um eventual complemento diferencial no Grão‑Ducado do Luxemburgo.

45.
Neste caso, é indiferente que U. Wiering tenha ou não interrompido completamente as suas atividades profissionais durante a sua licença parental, facto que é contestado entre os intervenientes. Com efeito, todos concordam em dizer que, em todo o caso, ela não perdeu, durante esse período, o seu estatuto de funcionária do município de Trier e, portanto, a sua qualidade de trabalhadora. Isto tem como consequência tornar aplicável ao processo em causa o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 574/72 e fazer da República Federal da Alemanha o Estado‑Membro prioritariamente competente, o que corresponde, aliás, à hipótese em que se baseia a questão prejudicial.

46.
Acrescente‑se que seria absurdo que a mãe que interrompe a sua atividade profissional durante a sua licença parental não fosse considerada trabalhadora ( 11 ). Para beneficiar do Elterngeld na Alemanha, U. Wiering deve interromper ou limitar as suas atividades profissionais ( 12 ). Se, por exemplo, U. Wiering interrompesse as suas atividades profissionais, deveria ser aplicável o artigo 10.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 574/72 porquanto ela já não seria trabalhadora. Em consequência, a República Federal da Alemanha perderia o seu estatuto de Estado‑Membro prioritariamente competente e já não deveria pagar o Elterngeld. Tudo se alteraria de novo se U. Wiering continuasse a trabalhar a tempo parcial ( 13 ).
V — Análise

47.
A questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio versa sobre se todas as prestações familiares recebidas pela família de um trabalhador migrante no seu Estado de residência (no processo em causa, o Kindergeld e o Elterngeld pagos à família Wiering na Alemanha) devem ser tidas em conta, como tendo a mesma natureza, para efeitos do cálculo do complemento diferencial eventualmente devido pelo Estado do local de trabalho de um dos progenitores (no caso vertente, o Grão‑Ducado do Luxemburgo), em conformidade com os artigos 1.°, alínea u), i), 4.°, n.o 1, alínea h), 12.° e 76.° do Regulamento n.o 1408/71 e com o artigo 10.o, alínea b), i), do Regulamento n.o 574/72.
A — Os conceitos de «cumulação» e de «complemento diferencial» no domínio das prestações familiares

48.
Tendo em conta a redação da questão submetida, torna‑se necessário, a título preliminar, precisar à luz do Regulamento n.o 1408/71 os conceitos de cumulação e de complemento diferencial no contexto das prestações familiares.

49.
O artigo 73.o do Regulamento n.o 1408/71 prevê que o trabalhador assalariado ou não assalariado tem direito, para os membros da sua família que residam no território de outro Estado‑Membro, às prestações familiares previstas pela legislação do Estado de emprego, como se residissem no território deste. Esta disposição visa facilitar aos trabalhadores migrantes a perceção dos abonos de família no Estado em que estão empregados, quando a sua família não se tenha deslocado com eles ( 14 ).

50.
Contudo, na hipótese de as prestações familiares estarem, no decurso do mesmo período, para o mesmo membro da família, previstas tanto na legislação do Estado‑Membro em cujo território residem os membros da família como na legislação do Estado de emprego do trabalhador migrante, os artigos 12.° e 76.° do Regulamento n.o 1408/71 e o artigo 10.o do Regulamento n.o 574/72 preveem regras precisas para determinar o Estado‑Membro prioritariamente competente para o pagamento das prestações familiares a fim de evitar a sua cumulação injustificada.

51.
Com efeito, em conformidade com o objetivo de evitar cumulações injustificadas de prestações enunciadas no vigésimo sétimo considerando do Regulamento n.o 1408/71, o artigo 12.o do mesmo regulamento, intitulado «Proibição de cumulação de prestações», estabelece, designadamente no seu n.o 1, que o regulamento «não pode conferir ou manter o direito de beneficiar de várias prestações da mesma natureza relativas a um mesmo período de seguro obrigatório» ( 15 ).

52.
Tendo em conta que o artigo 12.o do Regulamento n.o 1408/71 faz parte do título I deste regulamento, relativo às disposições gerais, os princípios decorrentes desta disposição aplicam‑se às regras de prioridade em caso de cumulação de direitos a prestações ou a abonos familiares previstos tanto no artigo 76.o do mesmo regulamento ( 16 ), como no artigo 10.o do Regulamento n.o 574/72 ( 17 ).

53.
Todavia, no seu acórdão Ferraioli ( 18 ), o Tribunal de Justiça recordou que o objetivo dos Tratados de estabelecer a livre circulação dos trabalhadores condicionava a interpretação das disposições do Regulamento n.o 1408/71 e que o artigo 76.o do mesmo regulamento não podia ser aplicado de forma a que, substituindo abonos pagos por um Estado‑Membro pelos abonos devidos por outro, o trabalhador ficasse privado do benefício dos abonos mais favoráveis. Segundo o Tribunal de Justiça, os princípios inspiradores do Regulamento n.o 1408/71 exigem que, se o montante das prestações pagas pelo Estado de residência for inferior ao das prestações concedidas pelo outro Estado devedor, o trabalhador mantém o benefício do montante mais elevado e tem o direito de receber, da instituição social deste último Estado, um complemento de prestações igual à diferença entre os dois montantes ( 19 ).

54.
Foram aprovadas pelo legislador da União modalidades de aplicação de regras de não cumulação de prestações familiares que preveem, designadamente, o intercâmbio de informações entre as instituições dos Estados‑Membros de residência e de emprego com vista à comparação das prestações em causa e dos seus montantes para permitir a determinação do complemento diferencial eventual ( 20 ).
B — Prestações «da mesma natureza»

55.
Tendo em conta que o artigo 12.o do Regulamento n.o 1408/71 prevê que só o direito de beneficiar de várias prestações da mesma natureza relativas a um mesmo período ( 21 ) constitui uma cumulação injustificada, a determinação de um direito ao pagamento de um complemento diferencial no caso em apreço exige a verificação prévia da natureza das prestações em causa.

56.
Dito de outro modo, só as prestações familiares da mesma natureza são comparáveis e não podem ser cumuladas. Em contrapartida, como o beneficiário tem direito ao montante mais elevado das duas prestações, ser‑lhe‑á pago um complemento diferencial, se o montante concedido pelo Estado‑Membro prioritariamente competente for inferior a esse montante.

57.
Considero que resulta da jurisprudência assente sobre a matéria que o exame da natureza das prestações para efeitos nomeadamente da aplicação do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 comporta necessariamente duas partes: a primeira, ligada à determinação dos objetivos e das características das prestações, e a segunda, ligada à identificação dos beneficiários dessas prestações.

58.
O Tribunal de Justiça decidiu, no seu acórdão Knoch ( 22 ), que as prestações de segurança social devem ser consideradas, independentemente das características próprias das diferentes legislações nacionais, como tendo a mesma natureza, quando o seu objeto e a sua finalidade, bem como a sua base de cálculo e as suas condições de concessão forem idênticas. Pelo contrário, as características puramente formais não devem ser consideradas como elementos pertinentes para diferenciar as prestações.

59.
No entanto, o Tribunal de Justiça acrescenta que, tendo em conta as numerosas diferenças existentes entre os regimes nacionais de segurança social, a exigência de uma similitude completa quanto às bases de cálculo e às condições de concessão teria por consequência ser o âmbito de aplicação da proibição de cumulação que consta do artigo 12.o consideravelmente reduzido. Tal efeito seria contrário ao objetivo dessa proibição, que é de evitar as cumulações não justificadas de prestações sociais ( 23 ).

60.
Além disso, no acórdão Dammer ( 24 ), o Tribunal de Justiça considerou que resulta dos termos do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 que existe cumulação de prestações quando os direitos a essas prestações existem relativamente a duas pessoas diferentes, no caso concreto, dois progenitores, em benefício de um mesmo filho. O espírito das disposições do Regulamento n.o 1408/71 que regem a cumulação de prestações familiares, bem como as soluções nele previstas em caso de cumulação demonstram igualmente que a finalidade do artigo 12.o é impedir que tanto o beneficiário direto de uma prestação familiar, quer dizer, o trabalhador, como os beneficiários indiretos desta, isto é, os membros da família do trabalhador, possam beneficiar simultaneamente de duas prestações da mesma natureza ( 25 ).
C — Aplicação ao processo em causa
1. Os abonos de família luxemburgueses e o Elterngeld alemão

61.
Importa recordar que, no caso em apreço, só deve ser pago pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo um complemento diferencial se as prestações familiares que nele estiverem em vigor forem superiores às pagas na Alemanha. É portanto essencial saber se o Elterngeld tem a mesma natureza que os abonos de família luxemburgueses, uma vez que não se contesta que estes últimos têm a mesma natureza que o Kindergeld.

62.
Com efeito, o Kindergeld, descrito em pormenor nos n.os 22 e seguintes, acima, tem como principal finalidade «garantir um nível de subsistência mínimo ao filho» sem ter em conta nem os rendimentos ou património dos membros da família nem uma eventual atividade profissional dos progenitores. Em certos casos, o Kindergeld é concedido ao próprio filho.

63.
Decorre do que precede que se o Kindergeld visa permitir aos progenitores cobrir as despesas geradas pelas necessidades do filho, o seu beneficiário último é o filho e não os progenitores. O Kindergeld tem incontestavelmente a mesma natureza que os abonos de família luxemburgueses descritos em pormenor nos n.os 13 a 15 acima. Esta prestação depende unicamente da existência dos filhos, tendo o legislador nacional consagrado o direito pessoal dos filhos a esta prestação.

64.
Em relação ao Elterngeld, importa observar, a título liminar, que, no caso em apreço, nem as partes no processo principal nem a Comissão põem em causa a sua classificação enquanto «prestações familiares», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71. Partilho esta opinião. Com efeito, resulta claramente das respostas aos pedidos de esclarecimento dirigidos ao órgão jurisdicional de reenvio e ao Governo alemão que esta prestação é concedida automaticamente às pessoas que respondem a certos critérios objetivos, sem que se proceda a qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais ( 26 ) e está claramente relacionada com um dos riscos enumerados no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71, na medida em que visa ajudar os contribuintes que tenham encargos familiares, fazendo a coletividade participar desses encargos.

65.
Acresce que o Tribunal de Justiça decidiu, no seu acórdão Kuusijärvi ( 27 ), que deve ser equiparada a uma prestação familiar, na aceção dos artigos 1.°, alínea u), i), e 4.°, n.o 1, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71, uma prestação que vise permitir a um dos progenitores consagrar‑se à educação de um filho de tenra idade e, mais precisamente, retribuir a educação dispensada à criança, compensar as outras despesas de guarda e de educação e, eventualmente, atenuar as desvantagens financeiras resultantes da renúncia a um rendimento proveniente de uma atividade profissional.

66.
No entanto, considero que o Elterngeld se distingue nitidamente dos abonos de família luxemburgueses em vários aspetos, no que diz respeito, por um lado, aos seus objetivos e caraterísticas e, por outro, aos seus beneficiários e que, embora seja possível classificar ambos como «prestações familiares», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71, não têm «a mesma natureza», na aceção do artigo 12.o deste regulamento.

67.
Com efeito, resulta da resposta do Governo alemão ao pedido de esclarecimentos que o Elterngeld tem como finalidade, em primeiro lugar, ajudar as famílias a manter as suas condições de subsistência quando os progenitores se dedicam prioritariamente aos seus filhos e, em segundo lugar, ajudar os progenitores, em especial nos primeiros tempos da sua paternidade, permitindo‑lhes ocuparem‑se dos seus filhos durante esse período, o que implica renunciar temporariamente, no todo ou em parte, a uma atividade profissional. Se o progenitor com um filho a seu cargo interromper ou reduzir a sua atividade profissional, beneficiará, em função dos seus rendimentos pessoais, de uma compensação pela perda de rendimentos durante o primeiro ano do filho e de uma ajuda destinada a manter as condições de subsistência da família.

68.
Segundo o Governo alemão, o Elterngeld visa igualmente contribuir para permitir a ambos os progenitores assegurarem melhor, no período da respetiva duração, as condições económicas da sua subsistência. Deveria evitar perdas definitivas que originem um risco de dependência face às prestações do Estado, assegurar uma liberdade de escolha entre família e emprego e promover a independência económica.

69.
Decorre do que precede que, quando um progenitor, como U. Wiering, funcionária no município de Trier, assegura a guarda do seu filho em vez de exercer a sua atividade profissional, o Elterngeld compensa parcialmente a perda de rendimento sofrida por esse progenitor, o que dá a esta prestação uma função de rendimento alternativo ou de substituição.

70.
Este aspeto de rendimento alternativo ou de substituição é reforçado pelo facto de que o Elterngeld ascende, regra geral, a 67% do salário anterior com um limite máximo mensal de 1800 euros.

71.
Além disso, não obstante o facto de certos critérios de concessão do Elterngeld estarem manifestamente relacionados com a criança, por exemplo, a sua própria existência e a sua idade ( 28 ), considero que resulta inequivocamente dos objetivos e das características do Elterngeld que o beneficiário deste subsídio é o progenitor que assegura a guarda do filho e não o próprio filho. Sem considerar os 300 euros que são concedidos mesmo que o progenitor não tenha exercido nenhuma atividade profissional anterior, na condição todavia de que não exerça nenhuma atividade a tempo inteiro ( 29 ) durante o período em que este valor fixo mínimo lhe é concedido, é evidente a preponderância da relação entre, por um lado, o exercício ou não de uma atividade profissional e os rendimentos dela preveniente e, por outro, o Elterngeld ( 30 ).

72.
Daqui decorre que o Elterngeld concedido a U. Wiering durante a sua licença parental não reveste a mesma natureza que os abonos de família luxemburgueses e não deve ser tido em conta para efeitos do cálculo do complemento diferencial eventualmente devido a título dos filhos de M. e U. Wiering, se o Kindergeld alemão for inferior aos referidos abonos.
2. O subsídio de educação luxemburguês e o Elterngeld alemão

73.
Embora o complemento diferencial referido pelo órgão jurisdicional de reenvio deva ser entendido como um eventual suplemento em relação às duas prestações familiares em vigor no Luxemburgo, a saber, os abonos de família e o subsídio de educação, importa ainda esclarecer se o Elterngeld deve ser considerado uma prestação familiar da mesma natureza que o subsídio de educação luxemburguês.

74.
Recorde‑se que este subsídio de educação não foi pedido pelos cônjuges Wiering, foi incluído oficiosamente no cálculo pela CNPF e que existem sérias dúvidas sobre se M. e U. Wiering teriam direito ao mesmo ( 31 ).

75.
Sem prejuízo destas verificações a realizar pelo órgão jurisdicional de reenvio, o subsídio de educação, previsto no artigo 299.o, n.o 1, do Código da Segurança Social luxemburguês, visa, à semelhança do Elterngeld, compensar, pelo menos parcialmente, a perda de rendimentos sofrida pelo progenitor que se dedica principalmente à educação dos seus filhos no lar familiar e não exerce nenhuma atividade profissional ou não beneficia de um rendimento de substituição. Por derrogação do princípio do n.o 1, uma pessoa que exerça uma atividade profissional ou beneficie de um rendimento de substituição só pode pedir o subsídio de educação abaixo de um certo montante de rendimento familiar ( 32 ). O n.o 3 do mesmo artigo 299.o prevê, aliás, que uma pessoa pode beneficiar da metade do subsídio de educação se, no essencial, exercer uma atividade profissional a meio‑tempo e se se dedicar principalmente à educação dos filhos no lar familiar durante um período no mínimo equivalente a metade da duração normal do trabalho, o que confirma a ligação entre o subsídio de educação luxemburguês e a compensação da perda de um rendimento profissional ou de substituição.

76.
Assim, afigura‑se que tanto ao nível dos objetivos e das características como dos eventuais beneficiários, o subsídio de educação luxemburguês e o Elterngeld devem ser considerados prestações familiares da mesma natureza.
3. Síntese

77.
Em função do que precede, o cálculo do eventual complemento diferencial devido pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, a título dos abonos de família a que têm direito os filhos de M e U. Wiering, não deve tomar em consideração o Elterngeld.

78.
Se, pelo contrário, a questão que se coloca for a de saber se é eventualmente devido pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo um complemento diferencial, a título de abonos de família e do subsídio de educação, impõe‑se fazer uma distinção: para efeitos do cálculo do complemento diferencial eventualmente devido a título dos abonos de família luxemburgueses, só deve ser tomado em consideração na comparação o Kindergeld alemão e, para efeito do cálculo de um eventual complemento diferencial a título do subsídio de educação, só deve ser tomado em consideração na comparação o Elterngeld.
VI — Conclusão

79.
À luz do conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pela Cour de cassation:
«Os artigos 4.°, n.o 1, alínea h), 12.°, 73.° e 76.° do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, e o artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71, devem ser interpretados no sentido de que uma prestação familiar como o ‘Elterngeld’ previsto na legislação alemã não tem a mesma natureza que uma prestação como o ‘Kindergeld’ previsto na mesma legislação ou os abonos de família conforme previstos na legislação luxemburguesa e, portanto, não deve ser tomada em consideração para efeitos do cálculo do complemento diferencial dos abonos de família eventualmente devido aos filhos de um trabalhador migrante.»
( 1 ) Língua original: francês.
( 2 ) JO L 28, p. 1.
( 3 ) JO L 392, p. 1.
( 4 ) JO L 74, p. 1.
( 5 ) Não se considera que uma pessoa exerce uma atividade profissional a tempo inteiro se a duração do seu trabalho não ultrapassar 30 horas por semana em média mensal (§ 1, n.o 6, da BEEG).
( 6 ) Se ambos os progenitores preencherem as condições de atribuição, acordam entre si a repartição dos pagamentos mensais. Um progenitor beneficia do Elterngeld durante dois meses, no mínimo, e doze meses, no máximo. Um progenitor beneficia sozinho dos 14 meses de abono se — designadamente — for o único titular do poder paternal ou do direito de guarda.
( 7 ) V. nota 6 das presentes conclusões.
( 8 ) V. artigo 1.o, alínea u), i) do Regulamento n.o 1408/71.
( 9 ) Acórdão de 19 de julho de 2012 (C‑62/11).
( 10 ) Acórdão de 10 de outubro de 1996 (C-245/94 e C-312/94, Colet., p. I-4895).
( 11 ) No seu acórdão de 7 de junho de 2005, Dodl e Oberhollenzer (C-543/03, Colet., p. I-5049, n.o 34), o Tribunal de Justiça declarou que uma pessoa tem a qualidade de «trabalhador», na aceção do Regulamento n.o 1408/71, quando está abrangida por um seguro obrigatório ou facultativo, mesmo que contra um só risco, no âmbito de um regime geral ou especial de segurança social mencionado no artigo 1.o, alínea a), do mesmo regulamento, e isto independentemente da existência de uma relação laboral.
( 12 ) V. n.o 26 das presentes conclusões.
( 13 ) V. artigo 10.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 574/72.
( 14 ) V., designadamente, acórdão de 14 de outubro de 2010, Schwemmer (C-16/09, Colet., p. I-9717, n.o 41).
( 15 ) V., neste sentido, o acórdão de 22 de maio de 1980, Walsh (143/79, Colet.,1980 p. 1639, n.o 15), relativo às prestações de maternidade.
( 16 ) O artigo 76.o do Regulamento n.o 1408/71 prevê a suspensão do direito às prestações familiares no Estado‑Membro de emprego ao abrigo do disposto no artigo 73.o do Regulamento n.o 1408/71 se forem devidas prestações familiares pelo Estado‑Membro de residência a título do exercício de uma atividade profissional pelo interessado. V., neste sentido, acórdão de 7 de julho de 2005, Weide (C-153/03, Colet., p. I-6017, n.os 20 a 22).
( 17 ) O seu n.o 1, alínea b), i), aplicável ao processo Wiering, precisa que o direito aos abonos pagos pelo Estado‑Membro de residência prevalece sobre o direito aos abonos pagos pelo Estado‑Membro de emprego, que são assim suspensos. V., neste sentido, acórdão Weide, já referido (n.o 28).
( 18 ) Acórdão de 23 de abril de 1983 (153/84, Colet., p. 1401).
( 19 ) V. acórdão Ferraioli, já referido (n.o 16 à 18). V. também, acórdãos de 27 de junho de 1989, Georges (24/88, Colet., p. 1905, n.os 11 a 13); de 14 de dezembro de 1989, Dammer (C-168/88, Colet., p. 4553 (n.o 25), e de 9 de dezembro de 1992, Mc Menamin (C-119/91, Colet., p. I-6393, n.o 26).
( 20 ) V., designadamente, Decisão 91/425/CEE, de 10 de outubro de 1990, Decisão n.o 147 relativa à aplicação do artigo 76.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 (JO L 235, p. 21). V. também Decisão 2006/442/CE, de 7 de abril de 2006, Decisão n.o 207 relativa à interpretação do artigo 76.o e do n.o 3 do artigo 79.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, e do n.o 1 do artigo 10.o do Regulamento (CEE) n.o 574/72, respeitante à cumulação de prestações familiares e abonos de família (JO L 175 p. 83).
( 21 ) O período em causa no litígio do processo principal não foi contestado. Está compreendido entre 1 de julho de 2007 e 31 de maio de 2008.
( 22 ) Acórdão de 8 de julho de 1992 (C-102/91, Colet., p. I-4341).
( 23 ) Acórdão Knoch, já referido (n.os 40 e 42). Neste processo, o Tribunal de Justiça decidiu que as prestações de desemprego constituem prestações da mesma natureza, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, primeira parte, do Regulamento n.o 1408/71, quando se destinem a substituir o salário perdido em razão do desemprego, a fim de prover ao sustento de uma pessoa, e que as diferenças entre essas prestações, designadamente as relativas à base de cálculo e às condições de concessão, resultem de diferenças estruturais entre os regimes nacionais. V., também, acórdãos de 5 de julho de 1983, Valentini (171/82, Colet., p. 2157, n.o 13) quanto à cumulação de prestações de velhice e de pré‑reforma, e de 18 de julho de 2006, De Cuyper (C-406/04, Colet., p. I-6947, n.o 25).
( 24 ) Acórdão já referido (n.o 10).
( 25 ) Acórdão Dammer, já referido (n.o 12). Saliente‑se que a necessidade de identificar o beneficiário das prestações resulta igualmente da redação do artigo 76.o do Regulamento n.o 1408/71 e do artigo 10.o do Regulamento n.o 574/72, que preveem regras para eliminar a cumulação de direitos, durante o mesmo período, «para o mesmo membro da família».
( 26 ) A este respeito, saliente‑se que é jurisprudência assente que uma prestação apenas pode ser considerada uma prestação de segurança social se, por um lado, for concedida com base numa situação legalmente definida, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais e se, por outro lado, estiver relacionada com um dos riscos enumerados expressamente no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71. V., designadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Hughes (C-78/91, Colet., p. I-4839, n.o 15); de 15 de março de 2001, Offermanns (C-85/99, Colet., p. I-2261, n.o 28), e de 7 de novembro de 2002, Maaheimo (C-333/00, Colet., p. I-10087, n.o 22).
( 27 ) Acórdão de 11 de junho de 1998 (C-275/96, Colet., p. I-3419, n.o 60).
( 28 ) V. n.o 26 das presentes conclusões.
( 29 ) V. nota 6 das presentes conclusões.
( 30 ) Deve salientar‑se, a este respeito, que a BEEG constitui uma das medidas de transposição da Diretiva 2010/18/UE do Conselho, de 8 de março de 2010, que aplica o acordo‑quadro revisto sobre licença parental celebrado entre a BUSINESSEUROPE, a UEAPME, o CEEP e a CES e que revoga a Diretiva 96/34/CE (JO L 68, p. 13), na República Federal da Alemanha. A Diretiva 2010/18 e a sua precursora, a Diretiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de junho de 1996, relativa ao acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO L 145, p. 4), que estava em vigor à data dos factos em questão no processo principal, estabelece prescrições mínimas sobre a licença parental. Considero que, apesar da inexistência de disposições no acordo‑quadro anexo à Diretiva 96/34 e à Diretiva 2010/18 relativas aos casos em que os Estados‑Membros estabelecem regimes para a remuneração da licença parental ou de outras prestações a este respeito, estes estão indissociavelmente ligados à própria licença parental. Os destinatários destes regimes remuneratórios são portanto necessariamente os progenitores que gozaram a licença parental.
( 31 ) V. n.o 34 das presentes conclusões.
( 32 ) V. artigo 299.o, n.o 2, do code de la sécurité sociale, assim como o n.o 18 das presentes conclusões.

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