EUR-Lex -  61992CC0093 - PT
Karar Dilini Çevir:
EUR-Lex -  61992CC0093 - PT

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
WALTER VAN GERVEN
apresentadas em 8 de Junho de 1993 ( *1 )
Senhor Presidente,
Senhores Juízes,

1. 
A imposição a um importador alemão do dever de esclarecer os compradores de motorizadas da firma Yamaha que os concessionários alemães desta marca se recusam frequentemente a realizar reparações cobertas pela garantia no caso de se tratar de importações cinzentas é compatível com o artigo 30.° do Tratado CEE? E esta a questão que, a título prejudicial, o Landgericht Augsburg submete ao Tribunal de Justiça.
Antes de examinar esta questão de uma forma mais aprofundada, recordo resumidamente o contexto do processo principal.

2. 
Em 7 de Maio de 1991, Pelin Baskiciogullari, recorrida no processo principal, comprou um motociclo de marca Yamaha à CMC Motorradcenter GmbH (a seguir «Motorradcenter»), recorrente no processo principal. A Motorradcenter, empresa que se dedica ao comércio de motociclos provenientes de Itália e do Japão, mas que não é concessionária, tinha adquirido o veículo a um importador alemão que, por sua vez, o havia comprado em França a um concessionário da marca Yamaha. Desta maneira, a Motorradcenter tirava partido das diferenças de preços líquidos desses veículos existentes entre os Estados-membros. Aquando da compra do motociclo em França, foi asseverado ao importador alemão que o comprador se podia dirigir a qualquer concessionário da marca Yamaha, em conformidade com as condições da garantia.
Com base nas suas condições gerais, que faziam parte do contrato de compra e venda, a Motorradcenter comprometeu-se a conceder à recorrida uma garantia contra os defeitos e vícios da coisa, com a duração de um ano a contar da entrega do motociclo. A Motorradcenter não informou, no entanto, a recorrida, da prática, que conhecia, dos concessionários alemães da marca Yamaha. Estes recusam-se com frequência a efectuar reparações em motociclos ao abrigo da garantia quando esses veículos foram importados por vias paralelas e não pelos canais oficiais, se bem que a isso sejam obrigados nos termos de acordos contratuais com o fabricante.
Tendo tomado conhecimento da existência dessa prática, a recorrida recusou-se a tomar posse do motociclo. A Motorradcenter intentou então uma acção de indemnização por perdas e danos no Amtsgericht Nördlingen, na sequência da qual a recorrida pediu o reeembolso do sinal que tinha pago. O Amtsgericht negou provimento ao primeiro pedido e acolheu o segundo. A Motorradcenter recorreu desta sentença para o Landgericht Augsburg, que submeteu ao Tribunal de Justiça a presente questão prejudicial.

3. 
A decisão de reenvio não esclarece como é que se chegou à questão acima transcrita. O Landgericht indica apenas que tenciona julgar improcedente o recurso da Motorradcenter e acolher o pedido reconvencional da recorrida. Tal como o órgão jurisdicional de primeira instância e abstraindo totalmente da aplicação do Tratado CEE, considera que a Motorradcenter era, em princípio, obrigada a chamar a atenção da recorrida para o comportamento ilegal dos concessionários alemães. Todavia, este órgão jurisdicional considera que caso a imposição dessa obrigação equivalila a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE, o pedido da Motorradcenter tem fundamento. Seria então necessário, em sede de recurso, dar provimento a esse pedido e julgar improcedente o pedido reconvencional. O Landgericht considera-se obrigado a submeter uma questão prejudicial, em virtude de a sua decisão já não ser passível de recurso judicial no plano do direito interno.

4. 
Pode lamentar-se que, no seu despacho de reenvio, o Landgericht não dê a menor explicação quanto ao fundamento jurídico exacto e às modalidades da obrigação de informar mencionada na questão. Apenas sublinha, na fundamentação do despacho, que a interpretação que adoptou da obrigação de informar «(está) de acordo com o ponto de vista preponderante da jurisprudência e da doutrina». A este respeito, posso recordar o princípio que o Tribunal de Justiça estabeleceu no seu recente acórdão Telemarsicabruzzo:
«... a necessidade de se chegar a uma interpretação de direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões» ( 1 ).
Ainda mais recentemente, o Tribunal de Justiça decidiu, ao abrigo desse princípio, declarar inadmissível um pedido prejudicial, principalmente em razão da forma incompleta como o órgão jurisdicional de reenvio o tinha fundamentado:
«... Não indica nem o conteúdo das disposições da legislação nacional a que se refere nem as razões precisas que o levam a se interrogar sobre a sua compatibilidade com o direito comunitário e a considerar necessário colocar questões prejudiciais ao Tribunal. Nestes termos, as indicações do despacho de reenvio, pela sua referência muito imprecisa às situações de direito e de facto mencionadas pelo juiz nacional, não permitem ao Tribunal dar uma interpretação útil do direito comunitário» ( 2 ).

5. 
Apesar de esta jurisprudência, tendo em conta o carácter extremamente sumário da exposição jurídica do Landgericht, poder, em termos rigorosos, ser igualmente aplicada no presente processo, penso que o Tribunal de Justiça está, no entanto, em condições de dar uma interpretação útil do direito comunitàrío, ou, pelo menos, do artigo 30.° do Tratado CEE (v., no entanto, o n.° 11, infra). Com efeito, as partes que intervieram perante o Tribunal de Justiça, ou seja, o Governo alemão e a Comissão, forneceram, nas suas observações, indicações suficientes sobre o contexto jurídico da obrigação de informar mencionada pelo Landgericht. As observações escritas da Motorradcenter também não deixam dúvidas a este respeito: o que está em discussão é a teoria, desenvolvida pela jurisprudência e pela doutrina alemãs, da obrigação pré-contratual de informar, fundada na culpa in contrahendo, que incumbe às partes que negoceiam entre si a conclusão de um contrato.

6. 
Importa dar aqui uma breve explicação a propósito desta obrigação pré-contratual de informar. Segundo esta teoria, desde o início das negociações contratuais, nasce entre as partes uma relação de confiança comparável a uma relação contratual. Dessa relação de confiança resulta que cada uma das partes deve ter em conta os interesses da outra e, em especial, deve informá-la das circunstâncias que só ela conhece e que sabe terem uma importância determinante para a decisão, da outra parte, de contratar ou não. O facto de não informar esta última é considerado como uma omissão culposa de natureza pré-contratual (culpa in contrahendo).
Esta obrigação pré-contratual de informar aplica-se também aos contratos de compra e venda. O Governo alemão cita, a este propósito, vários exemplos, provenientes da jurisprudência do Bundesgerichtshof, que podemos não referir aqui: o aspecto determinante para a obrigação de informar é, igualmente aqui, o facto de uma determinada circunstância ser claramente decisiva para a decisão, de uma parte, de contratar ou não.

7. 
É este, por conseguinte, o enquadramento jurídico nacional do pedido; a este respeito, quero e devo deixar sem resposta a questão de saber se, com base na jurisprudência supracitada, a Motorradcenter tinha, no caso vertente, a obrigação de informar a recorrida da recusa, por parte de determinados concessionários alemães, de efectuar prestações abrangidas pela garantia em veículos que foram objecto de uma importação paralela ( 3 ). Para o Tribunal de Justiça, a única questão que importa é a de saber se essa obrigação pré-contratual de informação, a existir no presente caso, é compatível com o artigo 30.° do Tratado CEE.

8. 
Em meu entender, é efectivamente assim. Não que uma obrigação pré-contratual geral que revista uma forma jurisprudencial não possa constituir uma «regulamentação comercial», na acepção do acórdão Dassonville ( 4 ): uma jurisprudência constante do órgão jurisdicional supremo de um Estado-membro competente em matéria civil apresenta, com efeito, num domínio como o do direito das obrigações, indubitavelmente, um carácter «normativo», em especial quando diz respeito a aspectos sobre que o legislador civil se manteve em silêncio. Nas relações entre comerciantes e particulares ou entre comerciantes, essa jurisprudência equivale efectivamente a uma «regulamentação comercial».
Se, em meu entender, essa obrigação jurisprudencial é, no entanto, compatível com o artigo 30.°, é porque não percebo como é que, por si só, pode entravar o comércio intracomunitário (directa ou indirectamente, actual ou potencialmente).

9. 
A este propósito, a Motorradcenter defende que se estaria em presença de uma medida de efeito equivalente se o Landgericht decidisse que, em relação à recorrida, enquanto vendedora de motociclos importados de outros Estados-membros, está vinculada por uma obrigação de informar a que não estão sujeitos os comerciantes que vendem motociclos importados directamente do Japão. Impor a um comerciante a obrigação de indicar expressamente que outros comerciantes não efectuam reparações ao abrigo da garantia (ainda que juridicamente estejam obrigados a fazê-lo), teria como consequência atemorizar uma parte dos compradores. Como essa obrigação de informar só é válida no que toca aos motociclos importados de outros Estados-membros e não para os directamente importados do Japão, verifica-se aí um entrave ao comércio.
A Comissão pensa igualmente que, ainda que, por si só, a obrigação pré-contratual de informar não tenha relação com o comércio intracomunitário, pode, no entanto, ter um efeito de dissuasão sobre o comportamento de compra do cliente normal, em especial quando se tratar de produtos susceptíveis de vir a necessitar de reparações. Todavia, diferentemente da Motorradcenter, considera — — indo ao encontro, nesse particular, da opinião do Governo alemão — que a regra, que é aplicável sem distinção de nacionalidade, tem a sua justificação na exigência imperativa da protecção dos consumidores e é adequada a esse objectivo.

10. 
Se bem que o ponto de vista da Comissão seja ligeiramente diferente do da Motorradcenter, nenhum dos dois me convence. Com efeito, não vejo como é que uma obrigação pré-contratual geral de informar pode, por si só, exercer um efeito de entrave ao comércio intracomunitário. A única circunstância que, num caso como o presente, pode ter consequências para o comércio intracomunitário, é a prática dos concessionários alemães da Yamaha, que consiste em recusar-se a efectuar reparações abrangidas pela garantia quando um veículo tiver sido objecto de uma importação paralela. Por outras palavras, não é a obrigação de informar que tem um efeito de entrave, mas sim a prática dos concessionários alemães da Yamaha. Sendo levada a cabo por empresas privadas, essa prática pode ser contrária às regras comunitárias em matéria de concorrência. O facto de a Motorradcenter ser obrigada, com base na obrigação geral de informar em questão, a informar os compradores de motociclos importados dessas práticas privadas, não faz com que essa obrigação de informação seja contrária ao artigo 30.° do Tratado CEE.

11. 
No seu despacho de reenvio, o Landgericht declara que a prática dos concessionários alemães da Yamaha constitui uma violação do artigo 85.° do Tratado CEE. Nas suas observações escritas, a Comissão examina sucintamente esta questão, mas faz notar, a esse respeito, que os factos não permitem determinar se se está perante um acordo, decisão ou prática concertada dos concessionários em causa, ou perante uma decisão autônoma das empresas em questão.
Como o Tribunal de Justiça não recebeu qualquer informação factual ou jurídica a esse propósito — e como esta questão nem sequer foi suscitada no pedido prejudicial —, não penso que seja indicado proceder aqui a um exame mais circunstanciado desse aspecto. Considero, com efeito, que, a este respeito, há que aplicar a jurisprudência Telemarsicabruzzo, já referida (n.° 4, supra), do Tribunal de Justiça. Efectivamente, nesta jurisprudência, o Tribunal de Justiça considerou que as exigências de uma definição do quadro factual e legal ou, se for caso disso, das hipóteses factuais em que assenta a questão prejudicial, são particularmente válidas no domínio da concorrência, que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas ( 5 ). No presente processo, a falta de dados relevantes é tal que o Tribunal de Justiça não tem a possibilidade de conhecer as circunstâncias factuais de um eventual acordo entre as empresas privadas e, ainda menos, de o qualificar ou de o apreciar à luz do artigo 85.° do Tratado CEE.
Conclusão

12.
Sugiro que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo:
«Uma obrigação de informar, a nível das relações pré-contratuais, imposta por via jurisprudencial, não pode ser considerada como uma medida de efeito equivalente, na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE.»
( *1 ) Língua original: neerlandês.
( 1 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o. (C-320/90, C-321/90 e C-322/90, Colect., p. I-393, n.° 6) (sublinhado nosso).
( 2 ) Despacho do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1993, Banchero (C-157/92, Colect., p.I-1085, n.°6). V., igualmente, o despacho do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1993, Monin Automobiles (C-386/92, Colect., p. I-2049, n.° 8).
( 3 ) Com efeito, o Tribunal de Justiça não pode, no âmbito do artigo 177.° do Tratado CEE, pronunciar-se sobre a interpretação de regras nacionais (legislativas ou regulamentares, mas também jurisprudenciais): v., nomeadamente, o acórdão de 13 de Março de 1984, Prantl (16/83, Recueil, p. 1299, n.° 10).
( 4 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 dc Julito de 1974, Dassonville (8/74, Colect., p. 423).
( 5 ) Acórdão Telemarsicabruzzo (n.° 7); despachos Banchcro (n.° 5) e Monin Automobiles (n.° 7).

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